Eu queria começar o dia aqui com algo de bonito, sincero,
honesto, convincente.
Mas só me lembro de jornalistas e candidatos eleitorais, que
querem.
Eu queria começar o dia aqui com algo de bonito, sincero,
honesto, convincente.
Mas só me lembro de jornalistas e candidatos eleitorais, que
querem.
Nada acontece por geração espontânea. Há sempre um motivo para
cada coisa que nos sucede, e um motivo atrás desse, e um atrás desse, e um
atrás…
Se não tivesse dado aulas, não me teriam oferecido aquela
caneta. A que ganhei afecto e que, com o passar dos anos, acabou por se
estragar.
E se não lhe tivesse ganho afecto, não teria tratado de
arranjar uma substituta quase igual, que me acompanhou anos a fio.
E se a não tivesse comigo, não a teria emprestado.
E se a não tivesse emprestado não se teria estragado naquele
dia.
E se não se tivesse estragado naquele dia, não teria eu, hoje,
ido à procura de uma igual ou parecida.
E se não tivesse vindo aqui para a encontrar, não teria feito
esta fotografia.
E se não tivesse feito a fotografia, não teria embarcado,
depois, naquele autocarro.
E se não tivesse embarcado naquele autocarro, não a teria
visto.
Era preta e dava nas vistas. Pela sua magreza extrema. Mesmo
só pele e osso. Apesar de não parecer doente ou toxicodependente. Apenas muito,
muito magra.
Quando o autocarro chegou ao fim da linha, foi perguntar
qualquer coisa ao motorista. Que lhe respondeu: “É logo ali. O Rossio é logo
ali, é só ir andando.”
Mas o ar dela era de quem estava meio-perdida, quase a entrar
em pânico. Apesar de estarmos nos Restauradores, uns 200 metros de distância,
para quem não sabe é o mesmo que estar a 10Km. Meti-me ao barulho.
Abordei-a, ainda no autocarro, e perguntei-lhe se ia para o
Rossio. E que sendo, que viesse comigo que eu também ia para lá. (Não ia, mas
não era importante)
E fomos andando pela praça fora, comigo a ficar intrigado: por
mais que alterasse a cadência do meu passo, ela ficava sempre – sempre – um
passo atrás. Aquela senhora, preta, nos seus trinta e tal anos, muito magra,
fazia questão de apenas caminhar atrás de mim!
Ao fim de uns trinta ou quarenta metros oiço-a dizer algo de
pouco perceptível (não consegui identificar o seu sotaque) de onde se destacava
a palavra “comboio”.
Esclareci com ela se queria mesmo ir para a estação e ela
confirmou-o. “Vamos”, disse-lhe. “Passamos à porta.”
Cinquenta metros (ou setenta) depois, chegámos.
“É aqui e lá em cima. Sabe onde é?”
Não sabia de todo.
Venha que levo-a. E continuei.
Voltei a ser surpreendido. Não sabia usar as escadas rolantes
e ficou bem assustada no primeiro lance. No segundo já se entendeu, depois de
algumas palavras encorajadoras. Afinal, ninguém nasce ensinado.
Lá comprou o bilhete para a sua estação, que sabia de cor e
disse-me, meio confidente, que havia saído de casa sem carteira nem nada.
Depois de a levar às cancelas e de lhe indicar qual o comboio,
fez um sorriso, lindo apesar da magreza das suas faces, e disse-me enquanto se
curvava para a frente:
“Obrigado! Que Deus lhe pague. Obrigado.”
Fiquei meio envergonhado e afastei-me. Afinal, não merecia eu
tal agradecimento de forma alguma.
E, mentalmente, enderecei-o para aquele motorista da Carris
que, nesta mesma manhã e com uma luz quase equivalente, olhou em redor antes de
começar a andar, constatou que vinha alguém a correr, a uns bons cinquenta
metros, travou o autocarro e aguardou. E nem ouviu o que eu ouvi, e que bem
merecia. Que ele estava a trabalhar enquanto que eu… bem, pouco mais que em passeio.
Nada acontece sozinho e sem algo que lhe dê origem. Ainda bem
que trago sempre comigo a câmara fotográfica.
Nikon Coolpix P7000
By me
Em tempos estive inserido no mercado fotográfico. Fiz
fotografia de teatro, de publicidade e umas aventuras mínimas na reportagem.
Deixei essa actividade por três motivos: porque não precisava
dela para viver, porque odiava a competição insana do mercado e porque ouvi
vezes demais pedirem-me “faz baratinho”.
O não precisar da fotografia para viver é apenas uma força de
expressão. Tinha um outro ofício, regular e com ordenado certo, que me pagava
as contas. A fotografia era, e é, o que me alimenta a alma. E o que ganhei com
ela, se não serviu para por comida na mesa, serviu para pagar equipamento e
completar em satisfação e dinheiro o que fazia no meu emprego.
A competição é algo que odeio. Ninguém tem que ser melhor que
ninguém, ninguém tem que ser mais que ninguém, ninguém tem que ter mais que
ninguém. O mundo e a vida são suficientemente cheios e ricos para que todos
possam ter o seu quinhão sem que com isso tenham que apoucar os demais. E se eu
não vivo de menorizar ninguém, não gosto de ser alvo disso mesmo.
O pedirem para fazer baratinho é algo que me desagrada
profundamente. É menosprezar o trabalho, é achar que o que se sabe fazer pouco
vale e que o tempo investido para aprender e melhorar é de borla. Prefiro,
desde sempre, oferecer os meus préstimos de borla a fazer baratinho.
Acrescente-se que aqueles que agora estão a entrar no mercado
e que fazem baratinho, não apenas estão a apoucar o que fazem como estão a
prejudicar todos os outros, ao fazer baixar os preços ao limite das despesas
directas.
A única situação é que peço desconto é quando, em pagando
algo, pergunto se tenho direito a desconto por pagar em dinheiro trocado. E a
única resposta que espero obter em troca é um sorriso divertido que ajude a
quebrar a monotonia a quem está do outro lado do balcão.
Divirtam-se e façam o
favor de ter uma vida cheia.
Samsung S1060
By me
A fotografia não tem que ser explícita.
E as leituras não têm que ser instantâneas.
Pentax K1 mkII, SMC
Pentax-M macro 50 1:4
By me
O tipo de ofício que tinha proporcionava estas situações, que
os horários eram demasiado malucos e instáveis:
Uma ocasião uma colega viu-se na contingência de ter que levar
a filha para o trabalho.
Coitada da pequena, que frequentava o 4º ano, lá se ía
entretendo como podia, sem atrapalhar o que ali se fazia. E a dado passo,
talvez que as minhas barbas tenham sido um incentivo, veio perguntar-me se
haveria papel disponível para escrever ou desenhar.
Claro que havia e indiquei-lhe onde. E ficámos um nico de
conversa na qual acabei por lhe contar a história do Joãozinho e do seu barco.
Contá-la-ei aqui noutra ocasião.
Mas, na sequência disto, acabámos por falar de aviões de
papel, de como fazer e quais os modelos.
Enquanto eu lhe mostrava um deles, dobrando e vincando a folha
com afinco e rigor, qual engenheiro aeronáutico, lembrei-me de tantos
produtores de imagem, estática ou animada, que tanta questão fazem em “dobrar”
a imagem a meio com o horizonte, ou de lhes aplicar regras matemáticas exactas,
como o número de ouro, ou ainda algoritmos digitais aplicados às cores e luzes,
deixando de parte o equilíbrio, a harmonia subjectiva, a criatividade, o
expressar da alma.
Se a estética se resumisse a fórmulas e regras, há muito que
os computadores teriam produzido obras-primas igualáveis apenas por outros
computadores.
Pentax K1mkII, SMC
Pentax-M macro 50 1:4
By me
Ir à feira do livro da fotografia faz-me mal à alma.
É que venho de lá com a tristeza de saber que estão ali tantas
e boas obras, nas quais muito poderia descobrir e aprender, e ver-me na
contigência de ter que fazer escolhas. Entre o que quero e o que posso, entre o
conhecido e o desconhecido. Teóricos, monográficos ou colectânias.
Não que isso faça de mim melhor no que faço, mas empurra-me
para algum lado mais à frente que aquele onde estou.
Este é um dos exemplos das escolhas deste ano.
O que nos é dito na contra-capa abre o apetite para outras
leituras que não as mais recentes e, neste caso, por um autor que desconheço.
Para alguma coisa foram inventadas as longas noites de
inverno.
Pentax K1 mkII, SMC
Pentax-M macro 50 1:4
By me
Certo!
Já por cá ando há um bom pedaço mais de meio século, pelo que
o apodo de “cota” não será de todo desajustado.
Em termos de captação e tratamento de imagem, ao já por cá
andar há tanto tempo, fez com que usasse de quase todos os sistemas e suportes:
películas e sensores, químicas e electrónicas, CCDs, CMOS e tubos de raios
catódicos, matricial e sequencial, pequenos médios e grandes formatos,
estáticos, animados e de alta resolução.
Alguns desses processos tornaram-se com que uma segunda
natureza para mim, outros mais não são
que história, outros ainda me são um pouco estranhos, não os dominando. E acredito
que quem teve a sorte, como eu, de passar por tantos e tão díspares tenha
dificuldade em estar a par de todos e que alguns deles pouco mais sejam que
anacronismos curiosos ou tecnologias a dominar.
Por mim, que por dever de ofício ou satisfação da alma, tenho
vindo a dominar ou a arranhar todos eles, tenho optado conhecer tão a fundo
quanto me é possível o que tenho entre mãos, preocupando-me bem mais com os
resultados que com os métodos. Quero “contar uma história”, e bem contada, com
a ferramenta que estou a usar, preocupando-me a sério com as últimas
tecnologias se e quando elas tiver que usar. Mantenho-me informado mas não as
aprofundo como as que estou a usar ou em perspectivas disso.
Uma coisa há, no entanto, que é imutável. Que não depende dos equipamentos
ou das tecnologias empregues: a luz. Esta, mais assim ou mais assado, com
origem em aquecimento, descargas ou ionização de gás ou LEDs, continua a ser a
emissão e reflexão de fotões, que têm uma trajectória rectilínea e um movimento
ondulatório, cujas frequências são por nós traduzidas em cores, cuja
interrupção na sua trajectória resulta em sombra, com uma intensidade variável
na proporção inversa do quadrado da distância, cujo ângulo de reflexão é igual
ao ângulo de incidência, e cuja trajectória é alterada pela aplicação de
energia ou com materiais que lhe sejam permeáveis.
Mas, e principalmente, é ela que permite o captar imagem,
sejam quais forem as tecnologias empregues. É ela que faz com que um dado
assunto seja mais “bonito” ou nem tanto. É ela que nos permite contar histórias
e estórias.
Nenhum fotógrafo, videógrafo, cineasta, profissional ou
curioso interessado, ignora que ela é a sua matéria-prima nem a maltrata ou
menospreza. Em o fazendo, os resultados são os que vamos vendo, infelizmente,
na net e na imprensa, nos receptores.
Sendo esta a minha abordagem – talvez que de cota com mais de
meio século – imagine-se como me sinto ao ter conversas com alguns da nova
geração que entendem que a imagem se capta “mais ou menos” e que os contrastes,
os ajustes das altas e baixas luzes, as sombras, os jogos de cor se tratam
depois, desde que se possua uma boa máquina para os processar.
Um bom pós-processamento é vital na produção de imagem. Sempre
o foi. E, se outros motivos não existissem, basta pensar que fotografia, vídeo
e cinema têm – sempre – que ser objecto desse tratamento. Tanto na edição, como
no controlo, na impressão, na etalonnage, nos efeitos especiais…
Mas com má matéria-prima – no caso, má imagem de origem ou má
luz – por muito que se esforcem o mais que se consegue é um resultado sofrível.
Se tanto. Nem mesmo os últimos avanços tecnológicos conseguem suprir essas
falhas.
Dizerem-me que para se fazer uma boa imagem basta um gráfico
de luzes e tons, estático ou animado é o mesmo que me dizerem que para Bruegel
ou Leonardo bastava um bom pincel, que para Stanley ou Alfred bastava uma boa
película ou que para Helmut ou Frank bastava um bom ampliador.
Serei cota com um pedaço mais de meio século a arrastar a
carcaça mas, para mim, bem mais importante que o como é o porquê.
Pentax K7, Sigma 70-300
By me
Sem luz que faríamos nós, fotógrafos?
É que até livros sagrados a referem logo no princípio como
sendo o início e o primordial.
Nikon Coolpix P7000
By me
Um destes dias tropecei num artigo de um site que se dedica a
publicar elogios a objectivas e câmaras. Costumo ler o que por lá aparece,
ainda que não pense em mudar de marca (sou Pentaxiano).
Este artigo em particular falava, espantado, em como um
fotógrafo faz espantosos retratos com uma câmara com mais de dez anos de
fabrico e que já nem se encontra à venda.
Apeteceu-me fazer uma crítica mordaz, mas não havia onde. Fica
por aqui.
Por um lado, os retratos mostrados eram todos feitos com uma
perspectiva muito próxima. É difícil não obter imagens impactantes desta forma.
Em seguida, todas as imagens eram em preto e branco, com a
gama tonal completa e contrastada. Uma vez mais, sabendo dominar um editor de
imagem, também assim se obtêem imagens fortes se a luz estiver a nosso favor,
natural ou trabalhada.
Por fim, e foi o que me incomodou, pouco importa a idade do
material e se está ou não disponível no mercado. As técnicas usadas por Nadar,
por exemplo, são mais que arcaicas e não retiram um pingo de qualidade ao seu
trabalho. Tal como Weegee ou Ansel Adams. Uma press câmera com visor directo,
ou uma 18x24, chapa a chapa, são técnicas lentas, complexas de operar e
processar, pesadas e nada discretas. No entanto, os seus instantâneos ou
paisagens são de tirar a respiração, mesmo que impressos numa revista ou livro
de mediana ou até fraca qualidade.
Não é o pincel, a maceta, a caneta ou a câmara que fazem o
artista ou a obra de arte. É o domínio da técnica em uso e o saber materializar
aquilo que a alma sente. E isso é para poucos.
Nota adicional: esta imagem tem o título “Até ao próximo
episódio”. Foi feita com uma vetusta Olympus 3030z, de 3,3 mp, que regista em
cartões SM. Fabricada no ano 2000, até os cartões de memória já saíram de
mercado. No entanto, tenho orgulho em a ter feito, mais ainda se considerarmos
que se encontrava no interior de uma caixa de madeira e a exposição e foco
foram feitos em total automatismo. Faz parte do meu projecto “Old Fashion”, há
muito terminado.
By me
Este é o meu calendário analógico do advento 2025.
Mas tive que ser firme com todas as outras e dizer-lhes que
não há mais lugar que para 25.
Para o ano será a vez delas, analógicas ou não.
Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M 35 1:2
By me